1.INTRODUÇÃO
O relato em tela trata da pesquisa de doutorado em educação, que se encontra em
desenvolvimento, intitulada Políticas de reconhecimento e certificação
de saberes profissionais não formais no Brasil e em Portugal: projetos em
disputa, vinculada à
Universidade Federal da Bahia (UFBA), analisa as políticas que deram partida ao
processo de reconhecimento, validação e certificação de competências relativas
aos saberes profissionais adquiridos ao longo da vida e no trabalho, nos mais
variados contextos, daqueles adultos que não concluíram a escolaridade regular.
Trata-se de uma pesquisa que problematiza a adoção da certificação profissional
como concretização do processo de validação de saberes não formais, identificados
no Brasil e em Portugal, tendo como cenário a internacionalização das políticas
de formação e certificação profissional.
Este estudo busca estabelecer uma
interlocução entre Brasil e Portugal na área de educação profissional e seus respectivos
programas de formação, incluindo a validação e certificação de saberes
profissionais não formais, adquiridos fora da escola, voltados para grupos
sociais com pouca escolaridade.
Pretendeu-se assim, investigar as relações
entre as políticas de educação profissional e certificação de saberes
profissionais não formais destes países, suas similitudes e dessemelhanças, e
como interagem com as definições emanadas de organismos internacionais que se
ocupam dessa temática, contrapondo o cenário de um país latino-americano com o
cenário de um país europeu, na medida em que ambos se encontram em posição
geoestratégica semelhante, do ponto de vista da teoria do sistema-mundo,
defendida por Immanuel Wallerstein e Giovanni Arrighi.
Historicamente vinculados a um passado de
exploração colonial, Brasil e Portugal compartilham atualmente a posição de
nações semiperiféricas em relação à divisão internacional do trabalho, aqui
entendida como a categorização dos países com base na sua situação diante do
processo produtivo global e do padrão de acumulação de capital.
Uma importante motivação para esta
pesquisa decorreu do entendimento de que o já muito debatido e estudado
fenômeno da mundialização do capital tem consequências significativas em todos
os aspectos que envolvem a produção e a reprodução social, entre eles a
educação profissional e sua consequente certificação profissional. Assim, a
autora buscou aproveitar sua experiência profissional como formadora de adultos
e pesquisadora pela Universidade do Algarve, num período em que residiu em
Portugal, assim como sua vivência como formadora no PRONATEC no Brasil para
realizar esta pesquisa contrastiva entre os dois países.
No caso do Brasil, o foco da política de
certificação profissional em estudo se materializou na Rede CERTIFIC, enquanto
em Portugal o foco da pesquisa se centrou no programa Iniciativa Novas
Oportunidades, hoje denominado Programa QUALIFICA, cujas caracterizações serão sinteticamente
descritas a seguir.
Assim, apresentou-se o problema de
pesquisa: que estratégias Brasil e Portugal adotaram para enfrentar o desafio
de reconhecimento, validação e certificação de saberes profissionais não
formais dos segmentos sociais com baixa escolaridade? Decorrente disso,
propôs-se como objetivo geral: Contrastar os processos de formulação de
programas de reconhecimento, validação e certificação de saberes profissionais
não formais identificados no Brasil e em Portugal, tendo como cenário a
internacionalização das políticas de formação profissional, que se repartiu nos
seguintes objetivos específicos: 1. Identificar os desdobramentos do processo
de internacionalização da educação profissional presentes na formulação dos
referidos programas; 2. Caracterizar os programas envolvidos no reconhecimento,
validação e certificação de saberes profissionais não formais; 3. Descobrir as
aproximações e distanciamentos entre Brasil e Portugal no que se refere ao
processo de formulação e implantação de programas de reconhecimento, validação
e certificação de saberes profissionais não formais.
A primeira fase da pesquisa de campo deu-se
em solo português, no período compreendido entre 16 de setembro de 2018 e 23 de
janeiro de 2019, coletando informações através de entrevistas semiestruturadas
com informantes significativos e via participação em eventos locais relativos
ao tema estudado. Como se trata de uma investigação bilateral contou-se com a supervisão
local da Prof.ª. Dr.ª Rosanna Maria Barros Sá, docente da Universidade do
Algarve (UALG), pesquisadora na área de Educação de Adultos, que acompanhou e
orientou os procedimentos de pesquisa no território português quanto ao
levantamento de informações bibliográficas e documentais e às entrevistas.
A segunda etapa da pesquisa de campo,
voltada para o Brasil, decorreu principalmente, mas não somente, no período
entre os dias 03 e 13 de setembro de 2019, em Natal, tendo como locus o Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), sob a supervisão local do
Prof. Dr. Dante Henrique Moura. Nesse período, embora curto, houve oportunidade
de apresentar uma comunicação em evento internacional promovido pelo IFRN e de
entrevistar personagens que atuaram na linha de frente da Rede CERTIFIC.
Este estudo está inserido na pesquisa
matricial denominada Internacionalização
da educação: estudos contrastivos entre países de língua portuguesa, que está sendo levada a efeito
pelo grupo de pesquisa Mídia/Memória, Educação e Lazer (MEL) da Faculdade de
Educação da UFBA, sob orientação do Prof. Dr. Augusto César Rios Leiro.
Trata-se de uma investigação singular, com
procedimentos teórico-metodológicos próprios da pesquisa documental, acrescida
de entrevistas semiestruturadas com informantes privilegiados que atuam ou
atuaram no planejamento e/ou execução dos programas de certificação referidos,
tanto no Brasil, como em Portugal. Entendeu-se que consultar personagens que
contribuíram na construção dos programas em estudo enriqueceria sobremaneira a
pesquisa, ampliando o escopo para além do levantamento das informações documentadas.
Para tanto, foram elaborados planos de estudos para otimizar e qualificar a
presença da pesquisadora nos períodos citados das etapas de campo, via
participação em diferentes atividades acadêmicas e, sobretudo, para viabilizar
o recolhimento de informações através de documentação oficial, relatórios,
artigos e teses, além das entrevistas.
Os planos de estudos previram a participação
da pesquisadora em eventos científicos, tanto no Brasil como em Portugal; a
realização de entrevistas semiestruturadas com atores vinculados ao tema; a
continuidade do levantamento bibliográfico, visando ampliar a revisão de
literatura brasileira e portuguesa sobre a temática estudada; a análise dos
documentos legais que se referem à política de formação e certificação
profissional, no geral, e da Rede CERTIFIC e do Programa QUALIFICA, em
particular.
2. LEVANTAMENTO DE
INFORMAÇÕES COMO DESAFIO
Embora tanto a Rede CERTIFIC no Brasil
como o QUALIFICA em Portugal sejam programas destinados a uma gama variável de
beneficiários, desde adultos trabalhadores sem qualificação formal a jovens com
cursos secundários (denominação em Portugal do correspondente Ensino Médio brasileiro)
incompletos, este estudo se interessou por aquela parcela da população de
trabalhadores sem qualificação formal, com baixa escolaridade e que vislumbra
nestes programas uma oportunidade de melhoria de qualidade de vida e renda.
Neste ponto de intersecção, situou-se o público-alvo desta investigação.
Com apoio das supervisões brasileira e portuguesa,
foi elaborado um guião de perguntas para as entrevistas, adaptando-se o roteiro
a cada país porque havia questões muito específicas a serem consultadas, além
da elaboração do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Uma vez que
esta pesquisa que se ocupa do debate político e estratégico referente à
formulação das políticas de certificação profissional, os entrevistados
escolhidos, tanto no Brasil como em Portugal, são participantes que se ocuparam
ou que ainda estão diretamente envolvidos com os organismos e instituições atuantes
na formulação e execução dos programas estudados.
Definiram-se assim os nomes dos/das
entrevistados/das que foram formalmente convidados/das a fazer parte da
pesquisa, tendo recebido previamente os roteiros e o TCLE.
No caso de Portugal foram entrevistados
cinco personagens, representantes dos seguintes órgãos: Delegacia Regional do
Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) de Faro, cidade sede da
UALG; do IEFP de Lisboa; Associação Portuguesa para a Cultura e a Educação
Permanente (APCEP); a Associação Nacional para a Qualificação e o Ensino
Profissional (ANQEP); e o Centro de Formação Profissional de Faro. As
entrevistas decorreram em momentos e lugares distintos, atendendo à comodidade
e disponibilidade de tempo dos participantes que se mostraram bastante
accessíveis.
Além disso, definiram-se alguns eventos
acadêmicos atinentes ao tema da pesquisa dos quais a doutoranda devesse
participar: SEMINÁRIO DO CONSELHO
NACIONAL DE EDUCAÇÃO, ocorrido em 20 de setembro de 2018, em Lisboa, no
qual estavam presentes, além do Secretário de Estado de Educação de Portugal,
três dos entrevistados citados acima, dentre outras personalidades
representantes das principais universidades portuguesas, do IEFP e da ANQEP.
Esse seminário foi fundamental para a pesquisadora tomar conhecimento acerca da
situação da educação em Portugal. Outro evento importante do qual a doutoranda
participou foi o XIV CONGRESSO DA
SOCIEDADE PORTUGUESA DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO, que decorreu entre 11 e 13 de outubro de 2018, na Universidade de
Coimbra (SPCE, 2018).
No caso do Brasil, a escolha pelo IFRN
recaiu em função de lá estarem reunidos, na ocasião, pesquisadores que atuaram
na elaboração do planejamento nacional da Rede CERTIFIC e pelo fato do IFRN ter
desenvolvido uma experiência local de certificação dentro dos moldes da Rede,
no polo de Paramirim. Embora não tenha sido uma experiência bem sucedida,
conforme relatos de entrevistados, forneceu interessante material para análise.
Nessa fase, a doutoranda foi supervisionada pelo Prof. Dr. Dante Henrique
Moura, professora do IFRN, pesquisador brasileiro de referência nas temáticas
de Políticas Educacionais e Trabalho e Educação, especialmente no campo da
educação profissional. Coordena o Núcleo de Pesquisa em Educação do IFN, tendo
integrado o Comitê Científico da ANPED e coordenando atualmente o GT Trabalho e
Educação da mesma.
Nesta fase da pesquisa o supervisor
indicou os participantes das entrevistas e sugeriu caminhos de pesquisa. As
atividades previstas e que foram realizadas no Campus do IFRN de Natal
correspondem aos itens que seguem: a) Participação no V COLÓQUIO NACIONAL E II
INTERNACIONAL: A produção do conhecimento em Educação Profissional – Regressão
social e resistência da classe trabalhadora, realizado entre os dias 04 e 06 de
setembro de 2019. Neste evento vários temas foram debatidos, a saber: conjuntura de regressão de direitos sociais,
em particular os que se referem à educação pública de qualidade; políticas de
Educação Profissional; formação docente para a Educação Profissional; formação
dos trabalhadores e luta de classes; história da Educação profissional;
formação profissional da classe trabalhadora no Brasil, França e Portugal;
pós-graduação e não neutralidade da produção do conhecimento. Contou com a
participação de renomados pesquisadores e autores nacionais e estrangeiros
sobre essas temáticas; b) Apresentação de comunicação no referido congresso,
sob o título: Certificação de Saberes
Profissionais não formais no Brasil e em Portugal (V COLÓQUIO, 2019), em autoria com o orientador, prof. Dr. César
Leiro; c) Realização de cinco
entrevistas com informantes significativos, entre professores, planejadores,
assessores e administradores vinculados à REDE CERTIFIC; d) Coleta de
informações acerca da experiência de certificação profissional dentro da
experiência da REDE CERTIFIC que se deu no Campus Parnamirim do IFRN entre 2010
e 2011.
Importante ressaltar que todo o material
proveniente das entrevistas nos dois países está em tratamento e será cotejado
com as referências teóricas no corpo final da tese.
Já em março de 2020, além das entrevistas
realizadas com os elaboradores e estudiosos da Rede CERTIFIC que se encontravam
em Natal, a pesquisadora entrevistou em Salvador o professor que fez parte da
equipe que elaborou a versão original da Rede CERTIFIC (CERTIFIC, 2014) quando
atuava no Ministério do Trabalho e Emprego e que também respondeu pela
Superintendência de Educação Profissional no Estado da Bahia, no período entre
2008 e 2016. Desta entrevista surgiram novos personagens a serem consultados, porém,
a emergência da pandemia de coronavírus tem dificultado a continuidade dessas
consultas.
Além das entrevistas e análise do material
bibliográfico citado, a doutoranda participou de diferentes eventos acadêmicos,
ao longo do período do doutorado, apresentando artigos correlatos ao tema da
tese, tendo recebido contribuições, sugestões e críticas muito enriquecedoras.
A experiência de pesquisar a realidade
educacional em Portugal in loco foi
fundamental pelo acúmulo de informações gerado através do contato com os
entrevistados e por causa da participação em eventos acadêmicos significativos.
A pesquisadora supervisora Dr.ª Rosanna Barros facilitou o acesso aos
entrevistados, apontou caminhos e forneceu material bibliográfico, orientações
que foram fundamentais para o êxito dessa etapa da pesquisa.
Embora uma parte importante do material
bibliográfico português da pesquisa pudesse ser obtida nos sites
governamentais ou acadêmicos (ANQEP, 2018; QUALIFICA, 2018; REPÚBLICA
PORTUGUESA - EDUCAÇÃO, 2018), o acesso presencial a documentos importantes por
meio dos entrevistados e a participação em eventos acadêmicos, além do material
disponibilizado pela supervisora, foram de grande valia para os passos seguintes
da edificação da tese.
Na etapa da pesquisa ocorrida no IFRN
constatou-se a necessidade de continuar a pesquisa em outro Instituto Federal,
o de Santa Catarina, por sugestão de alguns dos entrevistados que indicaram
essa possibilidade, tendo em vista que a experiência CERTIFIC de lá permanece
viva e tem sido bem sucedida. Infelizmente, também em razão da pandemia de
coronavírus essa complementaridade teve que ser adiada e talvez seja mesmo
suspensa, haja vista o prazo de defesa da tese.
3. SÍNTESES POSSÍVEIS
A análise das políticas de educação e
formação profissional materializadas nos programas citados tem sido conduzida
por uma pesquisa de natureza qualitativa através da modalidade de avaliação política da política
(FIGUEIREDO&FIGUEIREDO, 1986; SILVA, 2008) que analisa do ponto de vista da
formulação, intencionalidade e do contexto em que surgiram esses programas,
além de sua interrelação com a situação geopolítica dos países em questão, o
que traduz a originalidade da pesquisa. Não se trata aqui de fazer avaliação de
impactos, de processos ou medição de resultados. A modalidade de avaliação
proposta ressalta os pressupostos políticos do processo decisório, os valores e
os critérios políticos nela identificáveis. Não obriga a um exame da
operacionalidade concreta ou da implementação da política em análise.
Tendo em vista que a pesquisa está em
curso, qualquer conclusão nessa etapa é
potencialmente provisória, especialmente porque o tratamento das informações
obtidas via entrevistas ainda não se concluiu. Importa ressalvar que o que se aponta aqui são breves
considerações de cunho abrangente, sujeitas a revisões e ampliações.
Para dar conta dos objetivos da pesquisa
buscou-se apoio nas explicações teóricas fundadas no materialismo histórico e
dialético, para explicitar entender tanto acerca da mundialização do capital e
sua decorrente globalização de políticas e processos de internacionalização,
como da forma como essas políticas foram planejadas, seus objetivos, suas intencionalidades.
Compreende-se, assim, as posições
geoestratégicas de Brasil e Portugal, em relação ao restante do mundo
capitalista, como estando ambos na semiperiferia, conforme definição da teoria
do sistema-mundo (ARRIGHI, 1998; WALLERSTEIN, 2005). Ao fazê-lo, procurou-se
estabelecer o contraste entre os Estados-nação em estudo, a partir da
visualização e compreensão das suas diferenças, suas semelhanças e suas
variedades, sem propor comparações que poderiam hierarquizar ou sobrepor um país
ao outro.
Portugal, a exemplo dos demais países
europeus, ao identificar a subcertificação de sua população ativa e verificar a
necessidade de valorizar os saberes e aprendizagens informais e não
formais, moldou um sistema que valida e
certifica as competências dos trabalhadores com baixa escolaridade, tanto
escolares como profissionais, adquiridas ao longo da vida nos mais variados
espaços e contextos, desde que devidamente comprovadas através do processo de
Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC), articulado
pelo programa então denominado Iniciativa Novas Oportunidades que centralizava
todas as ações, decisões e procedimentos. Este modelo estava especialmente
adaptado para adultos que haviam desistido da escola regular, durante a
infância ou juventude.
Este programa experimentou altos e baixos
ao longo de sua trajetória, desde que se iniciou em 2001, tendo grande expansão
entre 2005 e 2012, passando por grave crise entre 2013 e 2015. Renasceu com
outro formato e outra nomenclatura em 2016, sendo agora denominado Programa
QUALIFICA, tendo sido alvo de críticas contundentes, por um lado, mas também
foi reverenciado e serviu de modelo a programas semelhantes em outros países,
por outro lado.
Parte das críticas se fixaram no aspecto
da metodologia desenvolvida, que não seguia os parâmetros escolares formais,
promovendo a fuga de alunos dos cursos regulares em busca de certificação que
não exigisse frequentar os bancos escolares. Também havia quem identificasse no
programa uma tentativa desesperada de melhorar os índices de formação e
certificação portugueses para se adequar aos padrões exigidos pela União
Europeia na busca por melhores índices de empregabilidade, segundo os padrões
empresariais.
Do lado dos que aplaudiam a iniciativa
governamental havia a percepção da valorização dos saberes tácitos e informais,
o aumento da autoestima dos participantes, o estímulo e interesse em retornar à
escola regular em busca de melhores qualificações. Na visão de ambos os lados
da contenda houve a constatação de que o processo teve ganhos, mas não
contribuiu para a melhoria dos níveis de emprego, como estava previsto
originalmente.
A Rede CERTIFIC, por sua vez, representou
uma iniciativa do Ministério do Trabalho e Emprego, entre os anos de 2003 e
2007, quando este propôs criar uma política pública de certificação
profissional sob o comando do Departamento de Certificação e Orientação
Profissional da Secretaria de Políticas Públicas de Emprego o que deu partida a
uma série de atividades voltadas para a construção de um Sistema Nacional de
Certificação Profissional envolvendo diversos ministérios, inclusive o da
Educação, além de várias entidades da sociedade civil. Culminou com a
realização de um seminário que contou com a participação de especialistas
internacionais. (MANFREDI, 2016).
O propósito de reconhecimento social dos
conhecimentos adquiridos ao longo da vida, fora dos processos formais de
aprendizagem, balizou a ideia de certificação profissional, que pretendia atuar
como estímulo ao retorno ao sistema escolar formal ou à formação continuada,
diferentemente da ideia de certificação ocupacional, desenvolvida pelo Instituto
Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (INMETRO), por exemplo.
Entretanto, o Sistema Nacional de Certificação Profissional não conseguiu ser
implantado, e junto com ele todas as políticas integradas de qualificação,
certificação profissional visando à implementação de um sistema de educação permanente
foram interrompidas (Idem).
Assim, o principal processo de
certificação dos saberes não formais dá-se via Rede CERTIFIC, a qual se
originou de uma ação conjunta entre o Ministério da Educação e o Ministério do
Trabalho e Emprego, cujas iniciativas em algumas unidades, como a do IFRN, não
tiveram prosseguimento. Acrescente-se que a criação da Rede também foi motivo
de disputas políticas e ideológicas por que a certificação profissional apresenta-se como um terreno em
disputa entre o Estado e o mundo empresarial em termos de quem certifica, quem
são os beneficiários, como se certifica, quem financia e quais são os objetivos.
(LIMA, 2006).
O modelo brasileiro de certificação de
competências profissionais formais e não formais apresenta-se, portanto,
pulverizado em várias ações e organismos públicos e privados com relativa independência e autonomia, algumas destas
vinculadas a entidades prestadoras de serviços de formação e certificação de
natureza privada e que estão imbricados na função de prestadores de serviços de
formação, a exemplo do chamado Sistema S, assim como os atuais Institutos
Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFES), de natureza pública. Há
também algumas modalidades básicas, ofertadas por escolas profissionalizantes
de natureza filantrópica.
No caso português, destaca-se a
centralidade de todas as decisões e procedimentos num único programa, o
QUALIFICA, que estrutura os projetos e subprogramas voltados para a formação,
qualificação, validação e certificação de competências profissionais adquiridas
tanto dentro como fora do escola formal. Destaca-se ainda a enorme importância
e divulgação que foi dada pelos governos, desde a época em que surgiu, usando
para tal todos os recursos de mídia.
Na concepção dos programas dos dois países
foram identificadas influências teóricas de autores importantes no estudo dos
saberes acumulados ao longo da vida, a exemplo da pedagogia freiriana,
inspiradora das abordagens metodológicas utilizadas. Além da troca de conhecimentos
e experiências entre os dois países, por ocasião de reuniões preparatórias que
antecederam ao Seminário Internacional de Certificação Profissional realizado em
2005 no Brasil.
Em ambos os países, os Ministérios da Educação
e do Trabalho estiveram envolvidos na formulação e execução dos referidos
programas e constituíram parte da disputa por protagonismo e projeção política.
Mas não só, em cena estiveram forças políticas e intelectuais importantes,
disputando a hegemonia de seus projetos sociais e de classe. O detalhamento de
quais atores constituem estas forças, quais os seus interesses e as
consequências dessas disputas está em processo de elaboração nesta pesquisa.
REFERÊNCIAS
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E O ENSINO PROFISSIONAL. Ensino
Profissional. Disponível em: http://www.anqep.gov.pt/default.aspx. Acesso em: 03
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ARRIGHI, Giovanni.
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Petrópolis: Vozes, 1998.
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CNE. SEMINÁRIO
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FIGUEIREDO,
Argelina Cheibub; FIGUEIREDO, Marcus Faria. Avaliação Política e Avaliação de Políticas: um quadro de
referência teórica. São Paulo: UNICAMP/IDESP, nº 15, 1986.
LIMA, Antonio Almerico
Biondi. As mutações do campo
Qualificação: Trabalho, Educação e sujeitos coletivos no Brasil
contemporâneo. 2006. 376f. Tese de doutorado em Educação. Faculdade de
Educação/UFBA, Salvador, 2006.
MANFREDI, Silvia Maria. Educação Profissional no Brasil. Atores
e cenários ao longo da história. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.
QUALIFICA. Disponível em: https://www.qualifica.gov.pt/#/. Acesso em 30
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Disponível em: https://www.portugal.gov.pt/pt/gc21/area-de-governo/educacao.
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SPCE. XIV
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Nacional e II Internacional: A produção do conhecimento em Educação
Profissional – Regressão social e resistência da classe trabalhadora, 2019. Anais [...] Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte – IFRN. Disponível
em: https://coloquioep.com.br/anais/.
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WALLERSTEIN, Immanuel. Análisis de sistemas-mundo. Una introducción. Madrid: Siglo XXI, 2005. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4578656/mod_resource/content/1/COMP_WALLERSTEIN%20-%20Analisis%20de%20Sistemas-Mundo. Acesso
em: 04 jul. 2018.
Caros autores. Achei muito interessante o trabalho de pesquisa que vem sendo realizado por vocês, principalmente em relação à temática da certificação de saberes não formais, que me parece ser pouco debatida no meio acedêmico. Meu questionamento, que vai também ao encontro da minha curiosidade, se refere aos benefícios (ou não) que a certificação de saberes não formais traz para os trabalhadores no Brasil e em Portugal. A certificação modifica a condição de vida e de trabalho do trabalhador ou apenas formaliza aprendizagens úteis ao mercado de trabalho? Existem diferenças, em relação a este aspecto, nos dois países? Compreendi que este não é o foco desta pesquisa, porém a temática me leva, inevitavelmente, a este questionamento.
ResponderExcluirParabéns pelo trabalho!
Sandra Levien.
Olá, Sandra. De fato, não é foco da minha pesquisa estudar as consequências dessa certificação na vida dos trabalhadores. Porém, durante as etapas exploratórias e nas minhas leituras identifiquei em Portugal alguns autores que se preocuparam com isso. Houve um estudo da Universidade Católica de Portugal que identificou uma melhoria substancial na autoestima dos beneficiários e um interesse maior destes em retomar a escola regular, antes abandonada. Mas, segundo esse estudo, a certificação não significou melhoria salarial ou (re)ingresso no mercado de trabalho.
ExcluirNo caso brasileiro, não identifiquei nenhuma pesquisa sobre essa questão. Como não é meu objetivo identificar tais consequências, pode ser que existam estudos sobre isso e eu desconheça.
Uma das conclusões (ainda provisórias) a que cheguei, é que de fato, tais certificações, ao fim e ao cabo, servem para formalizar aprendizagens úteis ao mercado de trabalho, cada dia mais voltado para o setor de serviços, especialmente em países em processo de progressiva desindustrialização, caso do Brasil e de Portugal.
Agradeço sua questão e espero ter respondido a contento.
Abraço!
Prezada Isabel, importantíssimo e muito necessário o estudo proposto por você, especialmente por problematizar políticas direcionadas à parcela da população sem qualificação formal, com baixa escolaridade e que vislumbram oportunidade de melhorar a sua qualidade de vida e de renda. Gostaria de aproveitar a oportunidade e dizer que no IF Baiano Campus Santa Inês pude participar da implementação e execução dos programas de certificação profissional: "Mulheres Mil" e o PRONATEC. E exatamente como identificado no seu estudo, quando das críticas aos programas, observou-se uma melhoria na qualidade de vidas dos estudantes, em função do aumento na sua autoestima, ao passo motivaram-se a continuar estudando visando aumento da escolaridade. Quanto aos índices de empregabilidade, os ganhos não foram tão expressivos, embora positivos(muitos estudantes ingressaram no "mercado de trabalho", como pequenos empreendedores).
ResponderExcluirE quanto ao meu questionamento, gostaria de saber dos autores, não fosse a escolha da teoria do sistema-mundo, defendida por Immanuel Wallerstein e Giovanni Arrighi, considerando as justificativas apresentadas, que outra teoria poderia dar conta desse estudo?
Nelian Costa Nascimento
Grata por comentar meu trabalho, Nelian. Penso que se faz necessário mais estudos sobre as políticas de educação profissional no Brasil, voltados para o reconhecimento, validação e certificação de saberes adquiridos fora da escola.
ResponderExcluirRespondendo sua pergunta, tendo em vista que minha pesquisa se apoia no materialismo histórico dialético, e porque estou fazendo um estudo contrastivo, e não comparativo, entre os dois países, entendo que a outra opção teórica poderia ser a Teoria da Dependência. Porém, esta foi superada historicamente pela Teoria do Sistema-mundo posto que o neoliberalismo, emergente a partir da década de 90, trouxe novas configurações ao capitalismo, tornando mais complexas as relações econômicas entre as nações, via mundialização e financeirização do capital.
Embora ambas as teorias utilizem as noções de "países periféricos" e "países centrais", a Teoria da Dependência trabalha com a ideia de que os países periféricos são totalmente dependentes dos centrais e com eles estabelece uma relação de subordinação, enquanto a Teoria do sistema-mundo analisa a questão sob o ponto de vista das cadeias de produção de riquezas. Considera que essas relações se estabelecem não em torno de países individuais e sim em torno de atividades econômicas, cadeias de produção de mercadorias que ultrapassam fronteiras nacionais.
Esse é um tema significativo para minha tese e que ainda estou aprofundando. Espero ter respondido a contento.
Abraço!
Olá Isabel,
ExcluirRespondeu e muito bem. No atual momento estou estudando a Teoria da Dependência, o que me ajudou a refletir sobre a relação de subordinação dos países periféricos em relação aos centrais, mas desconhecia a Teoria do sistema-mundo e inclusive que ela havia superado a TMD, por isso a minha pergunta a você. Fiquei inclusive interessadíssima em conhecer de forma mais aprofundada esta teoria, depois de ler seu trabalho e mais ainda depois das considerações feitas.
Um abraço e sucesso!
Olá, Professora Isabel abraços a você e ao Professor César. Muito importante o tema "certificação profissional" . Não é muito popular no Brasil embora seja uma dimensão fundamental da qualificação de trabalhadores o "reconhecimento formal dos saberes construído na vida e no trabalho" , e muitas vezes seja confundida com certificação escolar (diplomas e certificados) ou certificação ocupacional (geralmente vinculada a normas regulamentadoras ou a produtos de empresas específicas) . Sua pesquisa contribuirá muito na elucidação dos conceitos e dos processos conflituosos que impedem a adoção de um sistema nacional de certificação inclusivo,profundamente articulado com o sistema educacional ou -melhor - integrado a este. Parabéns!
ResponderExcluirGosto da sua abordagem e ela me parece se vincular, conceitualmente, às perspectivas do "trabalho como principio educativo " gramsciano e no reconhecimento da dimensão epistemológica do trabalho. Pergunto se essa minha percepção procede.
Gosto também da perspectiva metodológica de compreender as intenções e processos por trás dos documentos .Tenho apenas um reparo histórico (na qualidade da testemunha ocular) :
Você afirma "que a Rede CERTIFIC, por sua vez, representou uma iniciativa do Ministério do Trabalho e Emprego, entre os anos de 2003 e 2007, quando este propôs criar uma política pública de certificação profissional sob o comando do Departamento de Certificação e Orientação Profissional da Secretaria de Políticas Públicas de Emprego o que deu partida a uma série de atividades voltadas para a construção de um Sistema Nacional de Certificação.
Profissional"
Entretanto, posso afirmar, que a Rede CERTIFIC foi - e ainda é - uma iniciativa do MEC, certamente inspirada na iniciativa citada do MTE (coordenada pelo Departamento de Qualificação), que vinha desde 2003 trabalhando junto ao MEC. Esta iniciativa malogrou, e em 2009 o MEC criou a 1a versão da Rede Certific , restrita à rede federal. Portanto, houve um downsize na proposta de uma política pública geral, normatizada para entes públicos e privados para um programa restrito à rede federal. Posteriormente em 2015 o MEC tentou recuperar o caráter amplo e nacional criando um GT com Rede federal , Sistema S, redes estaduais e MTE resultou numa portaria interministerial .
Muito agradecida pelas suas observações, prof. Almerico. O parágrafo citado trata-se de uma transcrição não literal do livro de Silvia Manfredi que historia a educação profissional no Brasil. Provavelmente, interpretei essa fase de proposição de uma política pública de certificação como sendo a própria Rede Certific que se apresentou como um programa em 2009, em sua primeira versão. Farei esse ajuste no meu texto.
ExcluirQuanto à sua pergunta, de fato, um dos autores em que me apoio nesse estudo é Gramsci e sua noção de trabalho com princípio educativo, assim como procuro reconhecer a dimensão epistemológica do trabalho, associado a todas as outras dimensões e atividades humanas, tais como as sociais, lúdicas, militantes, comunitárias etc, que contribuem para a formação extra-escolar do público-alvo deste programa.
Grata pelas contribuições e forte abraço!
Olá, Isabel! Que tema relevante envolvendo a a formação e certificação de trabalhadores. Apesar de ser uma pesquisa com foco nas políticas públicas, gostaria de saber se na pesquisa houve captação de algum dado acerca dos processos de ensino, mais precisamente se o conhecimento prévio era considerado pelos professores durante a formação?
ResponderExcluirBoa noite Vinicius. A pesquisa não se deteve nos processos de ensino porque não é esse o enfoque. Procurei estudar programas onde o ponto nevrálgico é exatamente o reconhecimento e a validação e posterior certificação dos conhecimentos prévios. Esse é o diferencial desses programas. O aproveitamento dos conhecimentos adquiridos fora do percurso escolar, seja da educação básica, seja da educação profissional.
ExcluirEspero ter esclarecido.
Abraço!
Parabéns pelo rico Relato de Experiência! Talvez fuja um pouco do tema, mas em Portugal existe TB uma Rede de Educação Profissional e Tecnológica? Acho que nos eventos que vc participou deve ter observado isto. Outra questão, agora dentro do tema: qual autor ou autores vcs utilizaram para explicar a metodologia do estudo contrastivo?
ResponderExcluirGrata por comentar minha pesquisa, Nívia. Agradeço também suas oportunas perguntas. Quanto à rede, Portugal possui um programa nacional denominado QUALIFICA que unifica e centraliza todas as orientações e definições voltadas para a formação, qualificação e certificação profissional, além do reconhecimento, validação e certificação profissional de saberes tácitos. Para executar esse programa possui uma rede de institutos, os IEFP - Institutos de Emprego e Formação Profissional, distribuídos regionalmente, além dos Centros Qualifica, localizados em escolas públicas, em associações civis de desenvolvimento local, (sem fins lucrativos), assim como em organizações ligadas às empresas.
ResponderExcluirCom relação à metodologia contrastiva, essa é uma interessante pergunta, porque, em geral, em estudos deste tipo usa-se o método comparativo que não condiz com a proposta de análise que apresento. A comparação estabelece hierarquias, padrões, indicadores, enquanto minha pesquisa quer destacar similitudes e dessemelhanças, sem fazer comparações.
Faço parte de um grupo de pesquisa que reúne pós-graduandos da UFBA e UNEB, sob coordenação do Prof. Augusto Cesar Rios Leiro, grupo FECOMEL, e estamos nesse momento elaborando conteúdo a respeito desta metodologia, ousando propor algo novo. Em breve, divulgaremos aos interessados. Por ora, temos como referência para estabelecer diálogo teórico, o trabalho do prof. Roberto Sidnei, também da UFBA. Lembrando, entretanto, que este autor se fundamenta na epistemologia fenomenológica, enquanto minha pesquisa se ancora no materialismo histórico-dialético.
Espero ter respondido a contento. Abraço!
Maravilha! Estou aguardando este material sobre a Metodologia Constrativa. Espero que vcs não demorem para publicar, pois é muito interessante! Obrigada pelas Informações sobre a Rede em Portugal.
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