Os estudiosos marxianos da Educação
Profissional que atuam em uma perspectiva contra hegemônica afirmam que a
formação humana integral deve ser disputada, pois apesar da sua plenitude só
ocorrer em uma sociedade justa e igualitária, a sua semente pode germinar ainda
na sociedade comandada pelo capital, devido as contradições do sistema
capitalista.
Moura (2013) ao abordar sobre a travessia
para a educação humana integral explica que seu caminho só será possível se for
construído por meio de disputas políticas, em meio as contradições do
capitalismo. Até porque se vive em um modelo que “considera a desigualdade
social como elemento indispensável ao fortalecimento dos mercados, já que é ela
que potencializada a competitividade, alimento vital do Mercado” (p. 718).
Harvey (2011) ao se reportar ao mundo
capitalista avançado afirma que desnutrição e mortes por fome aumentaram nos
países mais pobres, até porque “a desigualdade de classe é central para a
reprodução do capitalismo” (p. 187). Harvey (2016) ainda registra que as práticas
capitalistas, como muito teorizou Marx no Livro I de O Capital possuem como
resultado por um lado o aumento da produção de riqueza para os capitalistas e
por outro o aumento do “empobrecimento, degradação e a perda crescentes da
dignidade e poder das classes trabalhadoras (p. 82).
De acordo com Harvey (2016) as
contradições do sistema capitalista apresentam a descartabilidade humana como
tendência. O autor chega a afirmar que “o capital está fadado a produzir uma
estrutura de classe oligárquica e plutocrática cada vez mais vulnerável, sob a
qual a massa da população mundial deve se virar para ganhar a vida ou morrer de
fome” (p. 93). Mas aí conforme Moura (2013) surgem os movimentos contra
hegemônicos, exatamente aqueles que rejeitam essa descartabilidade e optam pela
valorização humana.
Sendo assim, o caminho para a travessia para a formação
humana integral dentro da Educação Profissional precisa se apoiar nas
contradições do sistema capitalista para se manter firme, resistindo aos
ataques e insistindo em garantir sua qualidade dentro da pós-modernidade. Mas
esta estrada é cheia de curvas e não é nada fácil de ser transitada. Todavia,
acredita-se que ela é viável sim, principalmente porque a formação humana
integral é um ideal a ser atingido.
Moura (2007) afirma que o caminho da plantação da
formação humana integral possui cinco eixos norteadores: 1. A compreensão de
que homens e mulheres são seres históricos e por isto capazes de transformer a
realidade; 2. O trabalho como princípio educativo que permite a compreensão do
significado econômico, social, histórico, político e cultural da existência
humana; 3. A pesquisa como princípio educativo que contribui para a construção
da autonomia do estudante; 4. A realidade concreta como uma totalidade, síntese
de múltiplas relações para que o estudante compreenda o contexto em que está
inserido e possa vir a intervir nele, em função dos interesses coletivos; 5. A
interdisciplinaridade, contextualização e flexibilidade – baseada na
implementação de projetos integradores que visam articular os saberes, desenvolvendo
a autonomia intelectual dos estudantes , como também formar atitudes de
cidadania, de solidariedade e de responsabilidade social.
Moura
(2007), comenta ainda que os sujeitos contemplados com a trilha da formação
humana integral devem se apropriar de uma prática pedagógica que os levem a: a)
Conhecer e utilizar as formas contemporâneas de linguagem, com vistas ao
exercício da cidadania e à preparação para o trabalho. Incluindo a formação
ética e o desenvolvimento da autonomia; b) Compreender a sociedade, sua gênese
e transformação e os múltiplos fatores que nela intervêm; c) Ler, articular e interpretar símbolos e
códigos e diferentes linguagens e representações; d) compreender os fundamentos
científicos-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando teoria e
prática; e) Adquirir conhecimento e capacidades próprios de cada curso
específico.
Verifica-se
também que esta prática pedagógica fere os princípios do capitalismo neoliberal
e imperialista que querem formar de modo aligeirado impedindo que o estudante
consiga fazer uma adequada leitura do mundo. Sendo assim, esta rica pratica
pedagógica “em contraste com o ser humano fraturado pela divisão social do
trabalho, coloca-se o ser humano total, omnilateral, em todas as capacidades e
faculdades. (DELLA FONTE, 2018, p. 14)
Neste
sentido, Manacorda (2017) registra que diante da realidade humana de alienação
do homem e da natureza, encontra-se a exigência “da onilateralidade, de um
desenvolvimento total, completo, multilateral...” (p. 88). Para o pesquisador
das obras de Karl Marx, a omnilateralidade é “a chegada histórica do homem a
uma totalidade de capacidades produtivas de consumo e prazeres, em que se deve
considerar sobretudo o gozo daqueles bens espirituais, além dos materiais, e
dos quais o trabalhador tem estado excluído em consequência da divisão do
trabalho” (p. 90). Isto implica que
enquanto o capital procura a descartabilidade humana, a omnilateralidade
busca a sua formação humana integral.
O
IF Baiano faz parte da Rede de Educação Profissional do Brasil e procura
apresentar uma educação de qualidade, dentro da proposta contra hegemônica que
disputa pela formação humana integral e que rejeita a perspectiva de
descartabilidade humana. Ele faz parte de uma rede que
articula trabalho, ciência e cultura e que prima pelo desenvolvimento do
pensamento crítico porque sua orientação pedagógica busca plantar na comunidade
acadêmica uma leitura crítica do mundo.
O IF
Baiano compactua com Pacheco, que
ao se reportar aos Institutos Federais, registra que a educação necessita
aproximar-se de um projeto que almeje a construção de uma nova sociedade
fundada na igualdade política, econômica e social: “Essa sociedade em
construção exige uma escola ligada ao mundo do trabalho numa perspectiva
radicalmente democrática e de justiça social” (2011, p. 8).
Pacheco ainda registra que um dos
objetivos básicos dos Institutos Federais é “derrubar as barreiras entre ensino
técnico e científico, articulando trabalho, ciência e cultura” (ibid.,
p.15). Por isso sua orientação
pedagógica deve recusar o conhecimento meramente enciclopédico e buscar uma
formação profissional mais abrangente e flexível. O autor ainda destaca que o
modelo adotado na Rede IF é inovador, pois apresenta uma proposta diferente
“abandonando o hábito de reproduzir modelos externos e ousando inovar a partir
de nossas próprias características, experiências e necessidades” (ibid.).
No caso deste relato de experiência, será apresentada
a Residência Estudantil do Campus Santa Inês que procura contribuir
para o fortalecimento da Política de Permanência e abriga em média 200
estudantes. De acordo com a Política de Assistência Estudantil do IF Baiano
(2019) a Coordenação de Assuntos Estudantis (CAE) gerencia a Assistência
Estudantil do Campus e o Núcleo de
Apoio Pedagógico e Psicossocial (NAPSI), lotado na CAE, é responsável pelo
acompanhamento dos estudantes em seu desenvolvimento acadêmico, a partir das
demandas identificadas no cotidiano profissional.
Sousa e Sousa (2009) registram que a casa estudantil faz parte da
política de permanência e se insere no contexto das políticas públicas que
procuram oferecer possibilidades para que jovens das classes sociais menos
favorecidas possam se manter em seus cursos. Elas reúnem estudantes que
investem na escolarização como uma forma de encaminhar suas vidas em busca de
uma carreira profissional.
Vale ressaltar que todos os estudantes que ingressam na Residência Estudantil do Campus
Santa Inês recebem visita domiciliar. Não se trata de uma visita
fiscalizatória, mas de um momento de aproximação entre a escola e a família, e
de conhecimento da realidade social, das relações familiares e dos conflitos
que a perpassam. Realidade esta que reflete a descartabilidade que o sistema
capitalista pretende impor sobre a classe trabalhadora.
Os gráficos que serão agora apresentados retratam um pouco do perfil
socioeconômico dos 72 estudantes ingressantes em 2020
O estudo de caso descrito ilustra muito bem questões relacionadas aos opressores e oprimidos da obra de Paulo Freire. Fiquei interessado em saber quais os cursos são oferecidos para estas turmas, se são de profissões ligadas às atividades rurais ou não. Parabéns pelo relato!
ResponderExcluirBom Dia Vinícius. Tenho até um gráfico referente aos cursos, mas não o coloquei por falta de espaço no relato. Estes estudantes cursam: 1. Técnico em Alimentos: 2. Técnico em Agropecuária; 3. Técnico em Zootecnia. A maioria dos ingressantes tem 14 ou 15 anos. São profissões ligadas as atividades rurais sim. Inclusive muitos deles acabam cursando o Superior em Zootecnia aqui no Campus Santa Inês. Obrigada pela atenção! Nivia Barreto dos Anjos.
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirParabéns Nívia,
ResponderExcluirSua pesquisa apresenta uma temática instigante e muito desafiadora, pois traz imbuído a ideia de pensarmos a Educação Profissional não como uma modalidade assistencialista, em que os filhos da classe trabalhadora permaneçam com suas mãos estendidas, em gestos de súplica, como já nos sinalizou Freire.
Como docente, sinalizo algumas inquietações: Em seu trabalho, você sinaliza que são 72 estudantes que são atendidos pelo programa Residência Estudantil, no campus de Santa Inês. Fiquei curiosa em saber:
Esse quantitativo é a capacidade máxima que o campus disponibiliza? Essa quantidade atende a demanda?
Qual o município de origem desses alunos? São todos do município em que o campus está localizado?
Quais outras ações são realizadas no campus, no sentido de fomentar uma Educação Profissional numa perspectiva libertadora e libertária?
Penso que são questões importantes para ampliar a complexidade de sua pesquisa e pensar em outras possibilidades.
Att,
Lília Rezende dos Santos.
Boa Tarde Lilia. Agradeço pelo carinho e observações!
ExcluirEm relação a Residência Estudantil do IF Baiano Campus Santa Inês, temos uma média de 200 estudantes. Os 72 da pesquisa foram os ingressantes em 2020. Todos os anos geralmente conseguimos atender aos estudantes que solicitam vaga no Alojamento, porque fazemos visita domiciliar e assim fica mais fácil realizar a seleção de quem realmente precisa. Os estudantes residentes são de vários municípios da Bahia - cidades distantes em média 200 km. De Santa Inês só os que moram na zona rural. O IF Baiano possui uma Política de Assistência Estudantil com 08 programas e estes são aplicados no nosso campus.
No IF Baiano os profissionais que atuam na Assistência Estudantil executando a Política compactuam com Florestan Fernandes a percepção de que A educação é o problema mais grave do Brasil. Por isso por meio das Comissões Locais de Assistência Estudantil os programas são executados, procurando valorizar as necessidades socais, culturais, políticas, de saúde, pedagógicas e psicológicas dos estudantes e elegendo como dimensão central a formação humana integral.