COZINHA SUSTENTÁVEL: VIVÊNCIAS DE EXTENSÃO NA COMUNIDADE DE LAJEDINHO, BARROCAS BAHIA.

 



Gildásio Santos de JesusIFBAIANO Campus Serrinha. E-mail: gildasiosantos.13@gmail.com;
Letícia Caribé Batista ReisIFBAIANO Campus Serrinha. E-mail: leticia.reis@ifbaiano.edu.br.


Introdução

O presente trabalho tem por objetivo relatar as vivências em um projeto de extensão realizado com o Grupo de Mulheres “Delícias da Terra” da Comunidade de Lajedinho, município baiano de Barrocas. Este projeto foi executado por docente e discente bolsista, do curso Técnico em Agroindústria PROEJA - Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, do IFBAIANO campus Serrinha.
Conceitualmente a extensão é o desenvolvimento de uma ação de uma instituição de ensino junto à comunidade, levando à população externa o conhecimento científico adquirido com o ensino e a pesquisa. A extensão tem como objetivo que, todo conhecimento gerado pela instituição de ensino tenha como finalidade a transformação da realidade social, intervindo em suas deficiências e não se limitando apenas a formação dos seus alunos. Com este relato de experiência, pretende-se mostrar que a participação ativa do estudante do Proeja, em projetos de extensão,  despertou o interesse pelos estudos, contribuindo para o crescimento profissional, além de que, percebeu-se que a interação com a comunidade e a busca de ações de intervenção e conquista de melhores resultados, promove a formação de cidadãos críticos e conscientes de suas responsabilidades e direitos.
O Grupo de Mulheres é responsável pela produção de sucos, polpas de frutas, doces diversos, beijus, geléias e pasta de amendoim com o objetivo de geração de renda para a comunidade da qual fazem parte, sendo assim, o projeto teve como objetivo aprimorar o processo de produção de alimentos, tanto estimulando o aproveitamento integral e desenvolvimento de novos produtos, bem como empoderando-as no sentido de construir o pensamento crítico em torno da promoção da alimentação saudável. É importante desenvolver na população a consciência de que a sustentabilidade é um processo que visa suprir as necessidades básicas dos seres humanos, sem comprometer as gerações futuras e sem agressão ao meio ambiente. As ações envolviam desenvolver eventos ligados a comunidade a fim de gerar conhecimento e desenvolver técnica de aproveitamento integral de alimentos além de possibilitar uma maior integração e aproximação das mulheres envolvidas no projeto, fortalecendo o empoderamento feminino e a valorização da autoestima e autoconhecimento. Vale ressaltar que o foco das ações educativas relacionado a hábitos alimentares são atribuídos as mulheres, já que as mesmas, frequentemente, e, quase exclusivamente, estão presentes nos momentos das refeições em família e, mais especialmente, por acreditar que a maioria é agente importante no processo de promoção e manutenção da saúde no âmbito familiar (GAMA et al., 2017).
Sabe-se que o PROEJA, é um programa voltado para alunos trabalhadores com saberes e experiências advindas de seu cotidiano de trabalho, e essa característica foi fator fundamental para uma melhor interação com a comunidade. Ao final da execução do projeto foi perceptível que as intervenções tiveram rendimento satisfatório em relação aos conteúdos trabalhados, pois ocorreram inúmeros questionamentos e relatos de casos, demonstrando, desta forma interesse pelos temas abordados. Esta é uma experiência que permite a articulação entre ensino-pesquisa-extensão e o desenvolvimento local, em que os trabalhadores-alunos do PROEJA e seus saberes são centrais ao processo.
Em projeto desenvolvido pela Escola Estadual Técnica Agrícola (EETA), da Região Metropolitana de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, alunos do PROEJA trabalharam com o aproveitamento da fécula de batata doce em bebidas lácteas. Os alunos que o desenvolveram são oriundos de uma região de plantio da batata doce, cujo preço de mercado é muito baixo. Tinham como objetivo descobrir alguma forma de agregar valor ao produto. A pesquisa na escola levou-os a descobrir como extrair a fécula e, posteriormente, utilizá-la em bebidas lácteas. A pesquisa tem sido alvo de interesse de prefeituras das regiões produtoras. A experiência é um bom exemplo de que o ensino médio, principalmente quando acolhe jovens e adultos trabalhadores, também pode ser lugar de pesquisa. (FRANZOI et al., 2010).
Nas experiências citadas, as pesquisas realizadas só foram possíveis pela valorização dos saberes que os alunos trazem das suas comunidades e pela consideração das relações sociais de trabalho. Se o saber da experiência é incompleto, assim também o é o saber teórico. Do encontro destes dois saberes abre-se um feixe de possibilidades para o qual a escola tem que estar atenta (FRANZOI et al., 2010). Portanto, esse relato de experiência tem por objetivo demonstrar a importância da inserção do ensino, pesquisa e extensão no ambiente de ensino-aprendizagem do aluno do PROEJA, aproveitando os saberes dos trabalhadores e do trabalho para dar reconhecimento a atividades desvalorizadas socialmente.

Desenvolvimento

Tratou-se um estudo descritivo, de natureza qualitativa, realizado em campo, que envolveu Grupo de Mulheres Delícias da Terra, da comunidade de Lajedinho, município baiano de Barrocas, Bahia. O método escolhido enfatiza a real participação do público-alvo preconizada pela pesquisa-ação. A execução do trabalho contou com duas etapas distintas, porém complementares:
I Etapa : Visita à comunidade para a apresentação do projeto e do cronograma de atividades; Após a abertura das atividades, realizou-se visita de diagnóstico com aplicação de questionários semiestruturados, para verificar o conhecimento inicial do grupo sobre os conteúdos que seriam abordados durante as oficinas;
II Etapa: Realização de oficinas orientadas por dinâmicas de grupo, explicações teóricas e práticas sobre os temas: “Aproveitamento integral dos alimentos”, “Empoderamento Feminino” e “Alimentação Saudável” (BRASIL, 2004) para discussão de problemas (esclarecimentos de dúvidas e trocas de experiências). As atividades em grupo também ocorreram para estimular e sensibilizar o trabalho em equipe na comunidade (Figura 01).
No dia da visita, além do bolsista, compareceram mais alunos voluntários, que se mantiveram até o final das atividades com assiduidade e comprometimento. O trabalho contou com a participação de treze mulheres na faixa etária de 18 a 52 anos. Como resposta ao questionário, foi mostrado que 60% das mulheres conheciam sobre aproveitamento integral dos alimentos, mas não aplicavam na produção de alimentos. A educação e o treinamento dos manipuladores são as melhores ferramentas para assegurar a qualidade da alimentação (OLIVEIRA, 2008).
Como metodologia para os treinamentos, foram realizados jogos educativos que faziam associações das respostas por meio de imagens e caça-palavras, notando-se um processo de facilitação no momento de fixar os conteúdos. Além das brincadeiras, foram realizadas aulas práticas com preparações envolvendo aproveitamento integral dos alimentos, as quais despertaram o interesse dos participantes, pois os mesmos tinham um estigma a respeito da aparência e sabor desses alimentos como podemos observar nos pronunciamentos a seguir: “Será que fica gostoso mesmo?”; “Dá pra perceber que usa as cascas?”; “Usar os restos?”. Além disso, foram oferecidos cursos sobre Empoderamento Feminino onde as mulheres sentiram-se mais seguras para lançar os produtos no mercado com qualidade e segurança.

 

Figura 01. Atividades em grupo com as mulheres da Comunidade de Lajedinho, Bahia

Na sociedade contemporânea quando as novas tecnologias da comunicação e da informação aceleram o que convencionalmente se traduz como desenvolvimento, algumas conquistas sociais ainda são celebradas como a de tentar recuperar perdas históricas e sociais, como a luta das mulheres. No mundo pobre e em particular nas cidades, as mulheres tornam-se cada vez mais participantes economicamente, agindo no mundo do trabalho para além da esfera doméstica, e contribuindo de forma muito evidente para a sobrevivência familiar. Nesse sentido, entende-se a importância da extensão ao realizar constantes ações educativas (NOBRE, 2003).
Após a realização dos treinamentos com a comunidade, observaram-se dificuldades e potencialidades.  Quanto às dificuldades, ressaltam-se as limitações pela falta de matérias-primas para diversificar a produção, falta de incentivo do governo, dentre outros. Como potencialidade, notou-se a satisfação das mulheres diante da possibilidade de se capacitar, aprender, dialogar e ensinar sobre temáticas que são relevantes à sua realidade, sendo demandadas e entendidas como formidáveis a elas e que estão alinhadas com a proposta de promoção do desenvolvimento sustentável. Nessa perspectiva, as atividades educativas não se restringem a uma mera transferência de conhecimentos sobre determinado assunto, mas sim a troca de saberes, incluindo uma maior sensibilização sobre os temas abordados, a partir dos testemunhos de vida, que emergem ao longo do processo ensino-aprendizagem (FREIRE, 1987).
Vale ressaltar que as receitas foram executadas com sucesso, e todos os participantes desenvolveram, juntos, um caderno de receitas. O curso favoreceu aos participantes, maior domínio sobre o aproveitamento integral dos alimentos, capacitando-os a aproveitá-los, conservando ao máximo o valor nutritivo. A formação de multiplicadores proporcionará à comunidade, um meio de utilizar os alimentos de forma sustentável.
Ao final desta vivência foi notável o quão construtivo e produtivo foram estas trocas de experiências entre a comunidade e os alunos, pois as orientações transmitidas de maneira lúdica foram repassadas para os familiares e conhecidos, gerando multiplicadores do conhecimento. Quando os participantes visualizavam as imagens de desperdício de alimentos e alimentos contaminados eles conseguiam fazer associações de situações semelhantes o que acabavam por passar adiante o aprendizado adquirido.
Os alunos do PROEJA perceberam que, naquele momento, estavam diante de um cenário que os beneficiariam no processo ensino-aprendizagem com atividades que extrapolariam o ambiente escolar, oportunizando a expansão do conhecimento adquirido em prol da comunidade em que viviam. Nesse sentido, percebeu-se que a construção do agir, saber e fazer estão intimamente ligados e que deve ser trabalhada continuamente, pois não é um fim em si mesmo, mas um processo em permanente construção. É importante manter esse diálogo permanente do saber acadêmico, com o saber popular, representado por essas mulheres, que são mestras na tradição, na transmissão também de conhecimentos.
Por meio da realização de projeto de extensão como estratégia para subsidiar o processo ensino-aprendizagem dos discentes do PROEJA, teve-se a oportunidade de refletir que a ação docente vai além de conhecimentos teóricos e práticos, mas perpassa pelo âmbito do compartilhar esses conhecimentos, de reconhecer fragilidades, de estabelecer um compromisso com a sociedade, de desenvolver potencialidades, de enfrentar suas limitações, de constatar que não se sabe tudo, mas que juntos, docentes, discentes e a comunidade, podem ir além do que foi aprendido em sala de aula.

 

Considerações finais

O relato de experiência mostrou que as atividades extensionistas configuram-se como um excelente meio de otimização do processo ensino-aprendizagem e deve ser adotado pelas instituições de ensino médio da educação profissional técnica, sobretudo, na educação de jovens e adultos. O projeto de extensão cria um elo entre a formação teórico-científica e a realidade da comunidade, levando o estudante a fazer correlações entre o referencial teórico e as situações do cotidiano, este momento possibilita a aplicação de conceitos abstratos em situações concretas.
A formação de multiplicadores sobre os temas abordados, proporcionou à comunidade, um meio de utilizar esses alimentos de forma sustentável, colaborando ainda em outros aspectos como a redução da produção de lixo orgânico; o beneficiamento da renda familiar, a partir da conscientização para a redução do desperdício e o aprendizado de novas técnicas de preparo para enriquecer a dieta diária.
A sensibilização e estímulos através de práticas educativas interessantes e prazerosas constituem uma ferramenta valiosa, proporcionando aos discentes a sensação de dever cumprido e a motivação de querer sempre aprender mais e repassar este conhecimento adiante a fim de contribuir na melhoria de vida de mais pessoas.

 

Referências

:

BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Legislação. Resoluções. Resolução nº 216, de 15 de setembro de 2004: dispõe sobre o Regulamento Técnico de Boas Práticas para Serviços de Alimentação. Brasília: Diário Oficial da União; 16 setembro 2004. Seção I, p. 24-27.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido.11º Edição, Ed. Paz e Terra, Rio de Janeiro – RJ, 1987, p. 38.


FRANZOI, N. L. et al. Escola, Saberes e Trabalho: a pesquisa do PROEJA no Rio Grande do Sul. Educação & Realidade, v. 35, n. 1, 2010.

GAMA, L. G.;  FIGUEIREDO, M. F. A.; ANDRADE, L. T.; CALIXTO, J. E. C.; LIMA, Y. G. S.; LACERDA, P. P. S.; CARVALHO, E. S. A tua ação em sustentabilidade: Aproveitamento Integral dos alimentos. Revista Práxis: saberes da extensão, João Pessoa, v. 5, n. 8, p. 61-70, jan./abr., 2017.

NOBRE, M. As mulheres e a economia solidária. In: CATTANI, D. A. (Org). A outra economia é possível. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2003. p. 205-211.

OLIVEIRA, C. C. A. BERNARDO, S. J. SARAIVA, J.M. Formação para Agentes de Merendeira da Prefeitura Municipal de Buíque - PE. In: JEPEX, 2008, Recife, PE.

OLIVEIRA, R. C., LIMA, D. E. S. Fruta pão: uma alternativa alimentar. In: JEPEX, UFRPE. 2007, Recife, PE.

SILVA, M. M. A.; HENRIQUE, A. L. S. PROEJA no IFRN: práticas pedagógicas e formação docente. Natal, RN: IFRN, 2010.


Comentários

  1. Boa noite! Parabéns pelo desenvolvimento desse projeto! Aproveito para perguntar sobre como foi o diálogo inicial estabelecido com esse Grupo de Mulheres envolvidas nessa atividade de extensão? Houve algum tipo de resistência, por se tratar de uma iniciativa de uma instituição acadêmica?

    Moisés Leal Morais

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado! Sim, inicialmente houve resistência do grupo de mulheres não pelo fato da iniciativa ser de uma instituição acadêmica, mas porque as mulheres do grupo estavam desmotivadas com o processo de produção de alimentos. Segundo elas, estava difícil comercializar seus produtos devido a algumas inadequações técnicas e quando conseguiam comercializar não recebiam o pagamento gerando, portanto, desestimulo! Mas ao final do projeto, elas se sentiram mais seguras e realizadas com os aprendizados adquiridos.

      Gildasio Santos de Jesus

      Excluir
  2. Parabéns pelo belíssimo trabalho, Gildásio e Letícia!

    Sei a importância do PROEJA na linha de frente com pesquisa de extensão, beneficiando e enriquecendo o programa.
    Gostaria de saber se houve restrições da população no primeiro momento para iniciar a pesquisa. Se sim, como procederam?

    Maria Erenita de Amorim Coelho

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi professora! No início, as mulheres não mostraram muito interesse em participar do projeto, portanto, de início foi necessário ouvi-las. Realizamos um momento de escuta com essas mulheres, e então elas puderam perceber que estávamos ali para ajudá-las. Com as atividades de troca de experiências, unindo o saber popular ao saber científico, elas puderam perceber que aqueles momentos eram de crescimento e aprendizados.

      Gildasio

      Excluir
  3. Boa tarde! Parabéns pelo belíssimo trabalho e pela iniciativa de desenvolver com o público do PROEJA. Seu relato é muito enriquecedor e estimulante.

    Katinei Santos Costa

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado, Katinei
      É muito gratificante ver que ao final de um projeto que foi planejado com tanta dedicação, tivemos ricas experiências e aprendizados únicos!
      Gildasio

      Excluir
  4. Parabéns Professora Letícia, Gildásio e demais envolvidos! Foi um Projeto muito bonito, dinâmico e que possibilitou um novo olhar e novas possibilidades de aproveitamento integral de matérias primas comumente utilizadas por estas mulheres, desenvolvimento de novos produtos e de estímulo para a manutenção e valorização da autoestima!
    Que mais Projetos como este, possibilite o engrandecimento, espaço e emancipação desses sujeitos!!

    Após finalização do Projeto, vocês tiveram notícias da continuidade dos aprendizados a partir das experiências vivenciadas por este Grupo de mulheres?!


    Adrielle Souza Leão Macêdo

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi professora! obrigado! O projeto finalizou em janeiro deste ano, portanto, com a pandemia, não foi possível ter esse contato com a comunidade para acompanhamento. Mas pretendemos voltar a comunidade para uma conversa e avaliação do projeto, além de verificarmos a continuidade dos aprendizados na linha de produção e no dia a dia dessas mulheres.

      Excluir
    2. Que maravilha Gildásio! Importante mesmo ter esse retorno! Abraços

      Excluir
  5. Parabéns pelo relato e pelo trabalho desenvolvido! Acredito que o envolvimento com a comunidade, através dessas e outras ações e projetos de extensão, enriquecem consideravelmente a construção do conhecimento e a troca de saberes. É um momento crucial da formação dos/as estudantes, que tem a possibilidade de dialogar com as comunidades, valorizando os conhecimentos e saberes que elas trazem consigo. Tenho uma dúvida: como foi feita a seleção da Comunidade de Lajedinho? Quais os critérios utilizados? Abraço, Eliane Silva de Queiroz

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Eliane, obrigada pela leitura e participação na discussão deste relato de experiência!
      Pelo fato do projeto de extensão ter sido do Edital Margaridas, ou seja, que o público algo teria q ser mulheres, identificamos esse grupo em conversas com alunos do IFBaiano campus Serrinha, que conhecem o território do Sisal, e informaram que havia esse grupo de mulheres, muito conhecido por ter um nome muito forte: “Grupo de Mulheres Delícias da Terra“ e por sua forte atuação na comercialização de diversos produtos alimentícios locais.
      Gildasio

      Excluir