PROJETO MULTIDISCIPLINAR NO PROEJA: RELATO DE EXPERIÊNCIA COM O CURSO DE DESENHO DE CONSTRUÇÃO CIVIL
Vinícius Silveira Borba. IFSul - Campus Charqueadas. E-mail: viniciussilveiraborba@gmail.com.
Introdução
Quadro 01: Relação entre os procedimentos metodológicos do projeto científico e os componentes curriculares envolvidos no projeto multidisciplinar de ensino:
Metas |
Ações* |
Componentes
curriculares envolvidos |
Conhecimentos
e conteúdos de outros componentes curriculares envolvidos |
Coleta de dados da
primeira fase (percepção espacial dos usuários do espaço físico do Campus). |
Elaboração de questionário |
Elaboração de
Projetos |
Expressão escrita
da Língua Portuguesa e utilização do Word em Informática |
Aplicação de
questionários entre servidores e estudantes |
Elaboração de
Projetos |
Expressão oral da
Língua Portuguesa e ferramentas de web de Informática |
|
Compilação e
análise de dados |
Sistematização e
análise dos dados coletados em tabelas e relatórios |
Elaboração de
Projetos |
Cálculos
matemáticos e estatísticos e uso de ferramentas de Excel/Word de Informática |
Apresentação de resultados
da primeira fase |
Sistematização de
dados em relatórios, mapas, e gráficos de apresentação para o público. |
Artes Desenho Técnico Elaboração de
Projetos
|
Expressão escrita
e oral da Língua Portuguesa, Elaboração de gráficos do Excel e ferramentas de
apresentação do Power Point |
Desenvolvimento do
instrumento de coleta de dados da segunda fase (sugestões de intervenção
espacial) |
Construção da
maquete interativa do IFSul - Campus Charqueadas. |
Artes Desenho Técnico Maquetes
|
Leitura e execução
gráfica de curvas de nível; medição e levantamento de edificações existentes
de leitura de Desenhos Arquitetônicos e Práticas em Construção Civil |
Construção dos
cubos modulares de interação do público na maquete. |
Artes Desenho Técnico Maquetes |
Cálculos
Matemáticos, noções de geometria espacial e Identificação e manuseio de
ferramentas de Prática de Construção Civil |
|
Coleta de dados da
segunda fase |
Coleta das
sugestões de intervenção espacial |
Artes Desenho Técnico |
Noções de
Fotografia e elaboração de gráficos no Excel e apresentação no Power Point |
Registro das ações
do projeto |
Elaboração de
diário de bordo e relatório de pesquisa |
Elaboração de
Projetos |
Expressão escrita
da Língua Portuguesa e utilização do Word em Informática |
*As técnicas elencadas nas ações são classificadas como Técnicas de Observação Direta Extensiva (MARCONI & LAKATOS, 2011)
Algumas reflexões sobre o processo de ensino:
A multidisciplinaridade está no cerne da minha formação acadêmica, o objetivo da formação em Arquitetura e Urbanismo é o desenvolvimento da habilidade de viabilizar desejos e sonhos das pessoas, seres individuais ou comunidades, através de estudos, cálculos, desenhos, legislações, arte e cultura (ALEXANDER, 2013). Aplicar a práxis multidisciplinar nos primeiros anos do exercício da docência tornou-se relevante para a minha busca do saber pedagógico que envolve o ensino técnico-integrado de nível médio, ou seja, a primeira reflexão ocasionada por este processo trata da própria tomada de consciência do ser docente.
O processo de formatação da ação multidisciplinar de ensino foi descrita durante o relato dos procedimentos metodológicos de forma sistemática. No entanto, tudo aconteceu de maneira orgânica e intuitiva e o deflagrar deste processo foi libertador para mim, enquanto docente. Como eu exercia o ofício de professor com formação técnica e sem formação pedagógica, estava em um círculo quase de desesperança pelo empenho mecânico de memorizar páginas de livros, de memorizar técnicas e procedimentos pedagógicos. Ao desenvolver as próprias técnicas e escrever os próprios roteiros e a partir da construção do saber pautado na curiosidade e no conhecimento prévio do aluno, me percebi como um ser não de memória, mas de criatividade. Materializa-se o conceito de Paulo Freire onde quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender (VECCHIA, 2019).
Dois fatores foram fundamentais para o engajamento da turma durante o processo de ensino: O fato de o tema central do projeto ter surgido a partir da curiosidade dos estudantes e o resultado final da ação estar vinculado a realização de um sonho. A participação da EJA na mostra científica da escola passou a ser uma meta alcançável a partir do envolvimento de todos em um processo complexo que envolvia um único objetivo, tendo como base as premissas de Paulo Freire sobre o respeito à curiosidade e à autonomia do ser do educando (FREIRE, 1984). Tanto o processo quanto o resultado impactou diretamente no sentimento de pertencimento do estudante jovem e adulto que passou a se perceber como cidadão merecedor do espaço escolar, elevando a sua autoestima e ampliando a sua voz.
No tocante aos processos de ensino e aprendizagem, as dinâmicas foram se alterando ao longo do processo em virtude da necessidade do saber do estudante. As primeiras aulas eram planejadas para uma explanação teórica inicial seguida da prática daquela teoria. No entanto, o anseio em realizar o trabalho fez com que as aulas iniciassem com a prática e a teoria era apresentada na medida da necessidade do estudante. Ainda, neste processo eram incorporados os saberes dos alunos, técnicas de pintura em tecidos, de artesanato e de marcenaria eram apresentadas como soluções alternativas e viáveis para resolver problemas construtivos da maquete, por exemplo, alcançando assim a autonomia na escolha do conhecimento a aprender por parte do estudante, pois conhecer o objeto significa apreender o objeto e não memorizar o conceito do objeto (FREIRE, 1984).
Ao refletir sobre as relações entre a educação de jovens e adultos e a aprendizagem através da multidisciplinaridade foi possível verificar que os ensinamentos da prática deflagram a complexidade do fazer docente, que muitas vezes é vivido de forma inconsciente. O projeto revelou novas metodologias, mudou a forma de ver a docência e quebrou paradigmas. Porém, acredito que as maiores mudanças ocorreram no âmbito político, pois a conquista do prêmio em uma mostra científica tradicionalmente dominada pelos cursos de ensino da modalidade que erradamente nominamos de "ensino médio regular" significou para o PROEJA um grito de "Estamos aqui, também!" e tal fato tornou-se mais importante do que a assimilação de conteúdos, pois quebrou paradigmas, gerou o empoderamento e nivelou o status da EJA, juntamente com os demais cursos e as modalidades de ensino do instituto que frequentemente se faziam presentes em feiras científicas. Foi uma retomada de consciência da realidade como ponto de partida para um processo educativo e cultural de caráter libertador (FREIRE, 1971).
Considerações Finais
As reflexões deste texto tiveram como objetivo contribuir para a discussão acerca dos estudos e processos educacionais contidos na Educação Profissional em Nível Médio, sobretudo na Educação de Jovens e Adultos, através do relato de experiência de desenvolvimento de um projeto multidisciplinar de ensino que incluía a elaboração de um projeto científico. A partir da relação entre os fatos descritos e as afirmações feitas por teóricos da área da educação foi possível tecer algumas considerações.
No atual cenário da sociedade, o professor volta a ganhar visibilidade, atribuindo-se a ele não somente a responsabilidade pela promoção de aprendizagens, mas também o papel de um dos principais protagonistas das mudanças esperadas pela sociedade na atualidade (NÓVOA, 2009). Na prática da educação voltada para o público jovem e adulto, o fazer social e o exercício da inclusão são incorporados à práxis docente, pois o PROEJA, é um programa de gestão da educação, é uma política com objetivos que ultrapassam a formação técnica e buscam a formação e a inclusão social do cidadão que se encontra muitas vezes às margens da sociedade e fora do ambiente escolar.
A prática mostrou que o exercício da docência frente à EJA, além de habilidades pedagógicas e do amplo conhecimento da disciplina a ser lecionada, também é necessário o desenvolvimento de capacidades para trabalhar de maneira eficaz com ampla variedade de perfis estudantis, de forma a contribuir com o desenvolvimento escolar, profissional e com o desenvolvimento pessoal e social. A unidade entre a formação cultural e científica e as práticas interculturais requer dos professores uma atitude humanista aberta às diferenças, bem como a incorporação dessa relação nas organizações metodológicas (LIBÂNEO, 2013).
Evidencia-se a importância de refletir, relatar e publicar as nossas experiências para contribuir com a construção do conhecimento na área da educação de jovens e adultos e com o fortalecimento desta política, fundamental para o resgate da cidadania em nosso país, pois escrever sobre as práticas de ontem é se engajar na transformação do presente (FREIRE, 1984). Na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje, ou de ontem, que se pode melhorar a próxima prática (FREIRE, 1996).
Por fim, este relato reafirma a importância do formando, desde o princípio, assumir-se como sujeito da produção do saber, e o formador se convencer definitivamente de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua produção ou a sua construção (FREIRE, 1996). Ao refletir sobre que movimentos foram aqueles que construíram o resultado, do que decorre a premiação na mostra científica e o que se faz para além da premiação, fica a lição máxima sobre a importância da autonomia, da humanização dos processos de ensino na educação profissional e tecnológica e, sobretudo, a importância da prática da educação emancipadora e libertadora para dar voz e oportunidade para o estudante jovem e adulto como algo necessário para a construção de uma sociedade mais justa. Afinal, como disse Paulo Freire, em 1984, em um encontro sobre educação na cidade de Caxias do Sul-RS: Ninguém transforma o mundo se não sonhar um pouco (VECCHIA, 2019).
Referências
BARROS, R. B. Formação e docência de professores bacharéis na Educação Profissional e Tecnológica no IFRN: uma interface dialógica emancipatória. Tese de doutorado. Natal: UFRN, 2016.
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1971.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1984.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1996.
LIBÂNEO, J.C. Didática e Formação de Professores: complexidade e transdisciplinaridade. Porto Alegre: Sulina, 2013.
MARCONI, M.A.; LAKATOS, E.M. Fundamentos de metodologia científica. São Paulo: Editora Atlas S. A., 2011.
NÓVOA, A. Para uma formação de professores construída dentro da profissão. Revista de Educacion, ano 2009, n. 350. Acesso em: 14 ago 2019.
VECCHIA, M.V.F.D. O acendedor de Esperanças: Paulo Freire em Caxias do Sul em 1984.Caxias do Sul: Educs, 2019.
Prof Vinicius, que experiência linda! Parabéns! Realmente "o projeto revelou uma nova metodologia, mudou a forma de ver a docência e quebrou paradigmas". Quando o senhor apresenta a metodologia das "aulas de diferentes disciplinas acontecendo de forma concomitante e no mesmo espaço físico" , penso que o senhor poderia teorizar um pouco mais o relato trazendo a trilha da formação humana integral (Dante Moura), porque nesta turma ela já vem sendo plantada.
ResponderExcluirNívia Barreto dos Anjos
Olá, Nivia e demais participantes! Grato pela mensagem e obrigado pela dica sobre o aprofundamento acerca das aulas concomitantes. Quanto ao Dante Moura, professor do IFRN, conheço alguns artigos deles que tratam das políticas públicas do ensino integral, que é uma abordagem fundamental no momento em que vivemos. Porém, sobre metodologia de ensino e práticas de sala de aula, desconheço ainda as contribuições do referido autor e indicações são sempre bem vindas.
ExcluirUm empolgante e bonito relato Prof. Vinicius! Atuo também na EJA e sei o desafio de estimulá-los a permanência nos cursos, imagine a dedicação de uma produção técnica-educacional aplicada. Uma questão que gostaria de saber é, se os(as) das duas turmas da EJA que participaram do projeto foram todos? Já que costumasse ter um número reduzido de estudantes que permanessem no curso. Caso não, como foi o processo da seleção de escolha?
ResponderExcluirOlá, grato pelas palavras!
ResponderExcluirTodos os estudantes estavam envolvidos, pois na época do projeto haviam duas turmas em andamento (uma turma com 5 e outra com 8). A seleção, ou escolha, foi feita pelos estudantes para representar a turma diante das mostras científicas, pois no regulamento das mesmas só permitia a participação de 3 estudantes. Neste sentido, a visão geral do projeto e a desenvoltura oral foram os critérios para que a turma escolhesse as três representantes.
Parabéns Vinícius pelo excelente trabalho com os estudantes do Proeja. Dois fatores chamaram muito minha atenção: a demanda e o engajamento dos estudantes e disponibilidade docente em realizar um trabalho interdisciplinar. Carecemos de propostas que valorizem os saberes, os sonhos e desejos dos jovens e adultos que adentram às nossas instituições.
ResponderExcluirObrigado, Professora Neyla! Este processo foi de grande aprendizagem pra mim também, retratando o conceito de "dodiscência" de Paulo Freire. A aprendizagem que os estudantes do PROEJA nos proporcionam é algo que me fascina muito. Abraços!
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